segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Conto [parte 2]

Antônio com o tempo começou a sentir falta de alguém pra lhe esquentar na cama, pra lhe dizer o que fazer, e por fim até saudade de Maria a quem nunca mais viu depois do tribunal em que consentiram no divórcio. Mas no fundo ele sabia que não era ela que fazia falta, mas o que ela figurava em sua vida, a figura da companheira de todas as horas. Por intermédio dessas reflexões sempre se pegava rindo e resmungando que estava ficando velho.
No começo do isolamento eram dois maços por dia, à medida que o tempo e ansiedade iam aumentando começou a fumar quatro maços diariamente, dizia ele que a fumaça do cigarro lhe ajudava pensar, ou diria não pensar.
Se propôs a escrever para passar o tempo, separou alguns punhados de folha e sentou-se na velha cadeira da sala de jantar e tentou forçar um começo que não veio de imediato. A palavra apesar de aparentemente ser moldada pelo ser, não pode ser manipulada, quando é forçada não suscita o apetite do possível leitor. Pensou em ‘desenhar’ meia dúzia de palavras sobre sua situação e de quanto estava vivendo triste em dividir as estrelas no céu enluarado com a moça de olhos esbugalhados: a solidão companheira fiel de todas as batidas do relógio da parede, mas achou que seria em demasiado pouco ao mesmo que fácil afinal qualquer um é capaz de falar do que lhe dói, do que em si sente, ele sabia que a maestria do autor ficava implícita naquilo que lhe era devaneio, a tão famosa e usada fantasia.
Decidiu de pronto a escrever sobre o cotidiano de um amante amado que declarava seu amor nas letras de música e nas batidas leves do violão.

Meu amor,
Já sei que a hora tarda,
Mas meu coração não quer parar de dizer seu nome.
Tudo busca inspiração na luz
Quem vem dos olhos teus
A lua se faz imponente no céu,
Com as estrelas que compõem sua trança,
E Aqui jaz um pobre vagabundo
Que em ti encontrou o sonhar
nas belas letras da canção do seresteiro
ansiando só em ti somente pensar.
Ò Lua testemunha dos enamorados
Irmã próxima de Deus,
Peça a ele aí dos átrios
que não tire nunca de mim esse amor que me rasga o peito
Que me dói no recôndito da alma
Pois é dele que tiro o fôlego que hoje me faz viver.

Essas frases foram algumas das quais destilou para dar vida ao seu personagem o velho Fulô que aos 60 anos encontrou o mais belo amor nos braços da Dona Graçinha, amor antigo que o caminho tratou de separar. Por ironia do destino os fizera encontrar na casualidade de um passeio de ônibus pelas paisagens do Jardim Botânico, que de fato continuava lindo como sempre fora.
Ao dar vida ao personagem, Antônio interiorizava nele a esperança de encontrar de novo o amor a quem só conhecera na mocidade quando enamorou-se por Maria com quem foi casado por quase 25 anos de sua vida.
Os dias passaram depressa para aquele homem, parecia que o mesmo queria contar somente de dez em dez, quando assustou já estava com a mesma idade de seu personagem que como toda história clichê de amor, viveu feliz para sempre com o seu novo antigo amor.
Tudo já parecia sem sentido neste mundo para Antônio era como se a morte agora fosse sua única espera. Durante todo esse tempo viveu recluso, não mais sabia o que no mundo acontecia muito menos se sentia parte dele que lá depois de sua janela certamente teimava em existir.
Até que um dia não esperado, sua campainha toca insistentemente causando uma aguda dor nos ouvidos tamanha a insistência do batedor da porta, para sua surpresa quando a abriu se deparou com a própria Gracinha aquela a qual fora personagem nas primeiras linhas de Antônio. Sua forma, a cor de seus olhos e de seus cabelos, seu vestido velho e amarrotado, tudo assustadoramente igual ao que havia imaginado quando escrevia a história do amor dessa com o seu fulo.Do outro lado a Sra se apresenta:
_Boa Tarde Sinhô, meu nome é Maria vi que precisa de uma cozinheira por isso estou aqui me colocando à disposição de vossa senhoria caso seja do seu agrado.
Antônio estava estarrecido pela presença da dona que lhe causava tremedeira em suas pernas e não sabia fazer parar de olhar nos olhos dela que continuava parada em sua porta. A moça sem entender o desconcerto do Sinhô que se colocava perante ela como cara de quem se assusta com alma penada, disse sem pensar:
_ Vou-me imbora já que não tenho resposta quanto aos meus serviços.Cheguei agora na cidade grande, partindo das terras dos meus pais após a morte de minha mãezinha, que Deus a tenha em um bom lugar.Conheço nada dessas bandas de cá e preciso arrumar um emprego logo,peço a licença ao Sinhô mas já me vou.
Acordado do sonho que se colocara diante da dona, temendo sua partida, Antônio respondeu-lhe:
_Fica, adentre em minha casa e faça dela sua morada. Sirva-me assim como no sonhos e faz-me companhia nas noites duras do inverno.

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